Yemanjá Branca da Classe Média: A Classe Média Dominando a Umbanda
A origem de Yemanjá remonta às regiões do Golfo do Benim e da Nigéria, onde é cultuada como uma divindade ligada às águas e à maternidade. Sua imagem, nas culturas africanas e nas religiões afro-brasileiras tradicionais, como o Candomblé, é a de uma mulher negra, forte e ancestral, carregando simbolismos profundos relacionados à proteção e à fertilidade. Entretanto, com a influência da branquitude na Umbanda contemporânea, Yemanjá foi criminosamente embranquecida, transformada em uma figura eurocentrada, associada a uma mulher branca, vestida de azul claro, muitas vezes confundida com Nossa Senhora, especialmente Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora dos Navegantes.
Esse embranquecimento não pode ser atribuído ao sincretismo religioso necessário para a sobrevivência das religiões afro-brasileiras no período colonial. Ao contrário, trata-se de um apagamento deliberado imposto pelas elites brancas que se apropriaram das práticas de matriz africana, distorcendo seus significados para torná-los mais palatáveis às camadas dominantes. Como Verger pontua em suas pesquisas, a incorporação de elementos cristãos e a remodelação das figuras sagradas africanas são estratégias de dominação cultural e apagamento identitário.
A Yemanjá da classe média e alta branca é um reflexo desse movimento. Ao ser transformada em uma entidade de feições europeias, seu vínculo com a história e a luta dos povos africanos escravizados no Brasil é deliberadamente apagado. Enquanto a imagem original de Yemanjá é reverenciada nos terreiros de Candomblé com Orikis, cantos sagrados iorubanos que exaltam sua força e ancestralidade, a versão deturpada da Umbanda branca a coloca sob a escuta de Ave-Marias e rituais católicos que não lhe pertencem.
A exaltação dessa versão embranquecida de Yemanjá implica em uma apropriação cultural que ignora e apaga a história de resistência das religiões afro-brasileiras. A imposição de uma Yemanjá branca e cristianizada é um reflexo do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira, demonstrando como a cultura negra é constantemente reformulada e higienizada para servir aos interesses da branquitude.
Portanto, compreender a origem e as transformações da imagem de Yemanjá é essencial para reconhecer a dinâmica racial e social que atravessa as religiões afro-brasileiras. Retomar a verdadeira identidade de Yemanjá, negra e ancestral, é um ato de resistência contra o apagamento histórico e o domínio branco sobre a espiritualidade afrodescendente.
Referências:
VERGER, Pierre. Orixás: Deuses Iorubas na África e no Novo Mundo. Corrupio, 2002.
MOURA, Clóvis. Dialética Radical do Brasil Negro. Expressão Popular, 2020.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. Companhia das Letras, 2001.
CONRAD, Robert Edgar. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Companhia das Letras, 2003.
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