Conciliação com o Capital e Contradições que Desmobilizam a Esperança Popular

 

O atual governo Lula, sustentado pela chamada Frente Ampla, mantém uma estratégia política marcada por ampla conciliação com setores historicamente distantes da esquerda. Um exemplo claro é a reativação do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o “Conselhão”, em 2023. O órgão, que visa auxiliar o Executivo com propostas para o país, foi composto por 246 representantes, dos quais 113 são empresários, incluindo nomes ligados ao setor bancário, varejo e ao agronegócio (G1, 2023).

Essa composição reflete uma postura de governabilidade baseada na incorporação de interesses econômicos dominantes, entre eles os de grandes bancos como Bradesco e Santander, além de grandes produtores do agronegócio, como a JBS e Cosan. Ao mesmo tempo, o governo tem favorecido esse setor com linhas de crédito expressivas. Em 2024, foi anunciado um pacote de R$ 10 bilhões via BNDES para renegociação de dívidas do agro, com juros mais baixos e prazos estendidos, reafirmando uma política que, embora combata a fome, não rompe com os setores que concentram renda (Estadão, 2024).

No plano interno, observou-se a nomeação de políticos e aliados do governo para cargos em conselhos de estatais, com recebimentos de jetons mensais que variam de R$ 1.700 a quase R$ 14 mil. O jornal Folha de S.Paulo apontou que ao menos 17 ministros e secretários ocupam simultaneamente esses cargos, muitos deles sem qualificação técnica compatível (Folha de S.Paulo, 2024). Esse mecanismo, embora legal, escancara o uso político das estruturas do Estado, desmentindo o discurso de ruptura com a velha política.

Externamente, a política de relações internacionais do governo tem se mostrado ambígua em alguns aspectos. Lula chamou de "genocídio" as ações de Israel na Faixa de Gaza e comparou a situação ao Holocausto — declaração que gerou reação diplomática severa do Estado de Israel, culminando com a retirada do embaixador brasileiro e a declaração de Lula como "persona non grata" (BBC Brasil, 2024). Apesar do tom crítico, não houve, até o momento, nenhum embargo formal às relações comerciais com Israel. O comércio entre os dois países continuou ativo, incluindo exportações brasileiras de petróleo e aço, além de importações de tecnologia militar.

Em contrapartida, o Ministério da Defesa suspendeu em 2024 um contrato de mais de R$ 1 bilhão com a empresa israelense Elbit Systems, fornecedora de veículos blindados e sistemas de artilharia, alegando que o atual momento diplomático não permitiria a assinatura de um acordo desse porte (O Globo, 2024). A medida demonstrou que há tensões internas no governo sobre a continuidade da cooperação militar com o Estado israelense, embora não haja ruptura total.

Não foram encontradas evidências que sustentem alegações de que o Mossad, serviço secreto israelense, esteja atuando no Brasil com cursos de repressão ou assassinato político. A única cooperação oficialmente reconhecida com o órgão foi durante a Operação Trapiche, em 2023, quando a Polícia Federal brasileira atuou com o Mossad no combate a uma suposta célula do Hezbollah (CNN Brasil, 2023). Essa ação foi, inclusive, criticada por setores da esquerda brasileira como demonstração de alinhamento geopolítico com os EUA e Israel, mas não houve comprovação de ações ilegais ou de repressão doméstica via Mossad.

No conjunto, o governo Lula se apresenta, até aqui, como uma coalizão que opera sob o paradigma da conciliação, reforçando alianças com setores do capital financeiro e produtivo, mantendo práticas políticas convencionais no interior do Estado e adotando posturas ambíguas no plano internacional. Esse cenário gera uma profunda crise de identidade no campo progressista, especialmente entre os setores que esperavam rupturas mais estruturais. Para 2026, a promessa de apenas evitar o "pior" pode não ser suficiente para mobilizar um eleitorado cansado de escolher entre os mesmos polos.

Prof. Marcelo Pacce

Comentários

Postagens mais visitadas