"Toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica" (GRAMSCI, 2000, v. II, p. 12).
Por Prof. Marcelo Pacce
A escola, no modo de produção capitalista, é uma instituição reprodutora das condições materiais e ideológicas de dominação de classe. Nesse contexto, a disciplina escolar, muitas vezes compreendida como opressiva, possui também um potencial formador de consciência coletiva e organização social. A indisciplina, por outro lado, não deve ser lida mecanicamente como resistência — pode também expressar uma forma de alheamento radical do projeto educativo, manifestando o esvaziamento simbólico da escola na vida do jovem.
A pergunta que emerge é: seriam os alunos indisciplinados de hoje parte do lúmpen-proletariado? Para responder, devemos retornar às formulações de Karl Marx e Friedrich Engels, segundo os quais o lúmpen-proletariado é uma camada social marginal, desorganizada, sem inserção produtiva regular e facilmente manipulável pelas classes dominantes (MARX; ENGELS, 2000). Em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Marx associa o lúmpen à plebe urbana utilizada como massa de manobra por projetos autoritários.
Porém, é preciso distinguir a origem de classe da expressão ideológica. A maioria dos estudantes da escola pública brasileira pertence objetivamente ao proletariado ou ao semi-proletariado. Sua indisciplina, portanto, não é, em sua origem, uma forma lúmpen. No entanto, a lógica neoliberal impõe uma cultura de hiperindividualismo, consumo imediato e desvalorização do saber. Nesse processo, a escola deixa de ser compreendida como um instrumento de emancipação e passa a ser percebida como espaço de controle, sem sentido prático. Surge, assim, o risco da lúmpenização.
Como alerta Lenin (1902), o lúmpen pode até mesmo aderir à revolução em momentos de crise, mas sua instabilidade e sua ausência de consciência de classe o tornam vulnerável à manipulação pela reação. Alunos totalmente desvinculados de qualquer projeto coletivo, que rejeitam o saber, o professor e o espaço escolar, tendem a se tornar parte de um contingente social funcional ao autoritarismo e ao fascismo. É o que Gramsci chamaria de formações ideológicas regressivas.
Gramsci, nos Cadernos do Cárcere, aprofunda a análise sobre as classes subalternas. Para ele, essas classes, quando não organizadas por uma hegemonia proletária (Partido, escola, intelectualidade orgânica), permanecem presas à direção ideológica da burguesia, seja por meio do consentimento passivo, seja pela força repressiva. A juventude indisciplinada, então, não representa uma ameaça revolucionária, mas sim um potencial contingente para ser instrumentalizado por projetos de extrema direita, por padrões de violência simbólica e por ideologias regressivas.
Gramsci insiste: "Toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica" (GRAMSCI, 2000, v. II, p. 12). Se a escola pública é abandonada como espaço de formação ideológica da classe trabalhadora, ela será inevitavelmente ocupada por outras pedagogias: a do mercado, do autoritarismo, do fundamentalismo ou da barbárie cotidiana. Para evitar que a juventude proletária se converta em base do fascismo, a escola precisa ser reocupada como trincheira da luta de classes.
Nesse sentido, a luta por disciplina escolar — compreendida não como imposição repressiva, mas como organização da atividade coletiva e reconhecimento da autoridade pedagógica — é uma frente fundamental da luta de classes. A escola que renuncia à disciplina abandona sua função histórica e prepara terreno para a barbárie.
Assim, a indisciplina escolar deve ser interpretada à luz das contradições do capitalismo contemporâneo. O desafio é politizar a relação pedagógica, reconstruir o sentido social da escola e reafirmar o papel do professor como mediador da consciência de classe, sob pena de ver a juventude proletária sequestrada pelas formas lúmpen da sociabilidade capitalista.
Referências
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 6 vols. LENIN, Vladimir I. Que fazer?. São Paulo: Boitempo, 2010. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2000. MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
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